domingo, 10 de abril de 2011

Por uma nova cientometria tupiniquim

Capítulo I
No reino do blá-blá-blá
Universidade, este local mítico perpetua sua indecorosa existência no mundo. Em particular no Brasil, e porquê não dizer e tinha que ser aqui!, as coisas ficam ainda mais estranhas. Imaginada para ser um local de alto nível, durante muitos anos a universidade tem servindo como cabide de emprego para funcionários públicos, a chonga inflou e hoje se debate antes do previsível rigor mortis. Tem de tudo nela. Mas o que mais impressiona é a tríade aluno-burro+professor-picareta+funcionário-preguiçoso (com variações de livre combinação). É maioria, meu amigo. E o diabo é que o troço tinha que começar a criar os próprios quadros para não se acabar, pois era caro trazer os estranjas para formar os futuros professores -profissionais- de universidade. Criam-se assim alguns órgãos para gerenciar o clientelismo das verbas aos pesquisadores (famosos e amigos e amigos de famosos e todas as combinações), outro para grandes somas megalomaníacas em projetos mirabolantes da política governamental capitaneados somente por alguns (descambando para os temáticos blindados), e um outro órgão prá fiscalizar se estes elementos formados (no começo eles não queriam, mas as bolsas eram boas, as vantagens na aposentadoria foram aparecendo...) estavam fazendo tudo direitinho e se as pós-graduações estavam andando nos trilhos. Esses três órgãos vivem nas nuvens, e suas políticas desfocadas tocam uma estranha dodecafonia glossolálica enquanto que nas universidades uma fórmula mágica é ressoada como um mantra em todos os níveis e é alcunhada de "autonomia" (ela resvala perigosamente pela tangente do discurso e se fortalece com o mantra fútil esvaziado "tríade ensino-pesquisa-extensão") e lança um grande lençol branco da cegueira sobre o que se faz, o que se diz, e o que de verdade acontece. Professores preguiçosos formam alunos demenciais, funcionários clientelistas apóiam aqueles dirigentes carreiristas que farão vista grossa ou aumentarão suas mordomias (tipo 6/8h, 4/8h ou 0/8h, dependendo do local). Números! Números! Números! Grita o ministério. E as universidades respondem baixando os critérios de seleção e facilitando tudo para o mercado receber de braços abertos a massa ignara e mal-formada, preenchendo catédras incautas (em menor extensão), o mercado de serviços (em maior extensão), e a indústria (tá louco!??).  E daí, o papel da universidade se mostra:
1- Os quadros formados retornam, e no ritmo de ladeira abaixo já começamos a ver a espiral descendente acelerando vertiginosamente ;
2- Título universitário só serve para pendurar na parede, qualquer emprego fora da área de atuação é sempre melhor remunerado.
UEEEEBA! Passei no vestiba! Ueeeeeeeeeeeeeba!O professor é preguiçoso! Ueeeeeeeeeeeeeeeeba! É só apelar pro social que eu vou me formar!!!

Capítulo II
A Corte Real do Departamento
"Conjugam por todos os modos o Verbo Rapio, porque furtam por todos os modos da arte, não falando em outros novos e esquisitos. Tanto que lá chegam, começam a furtar pelo modo Indicativo, porque a primeira informação que pedem aos práticos é que lhes apontem e mostrem os caminhos por onde podem abarcar tudo. Furtam pelo modo Imperativo, porque como têm o mero e misto império, todo ele aplicam despoticamente às execuções da rapina. Furtam pelo modo Mandativo, porque aceitam quanto lhes mandam, e para que mandem todos, os que não mandam não são aceitos. Furtam pelo modo Optativo, porque desejam quanto lhes parece bem, e gabando as coisas desejadas aos donos delas, por cortesia sem vontade as fazem suas. Furtam pelo modo Conjuntivo, porque ajuntam o seu ponto cabedal com o daqueles que manejam muito, e basta só que ajuntem a sua graça, para serem, quando menos, meeiros da ganância. Furtam pelo modo Potencial, porque, sem pretexto, nem cerimônia usam de potência. Furtam pelo modo Permissivo, porque permitem que outros furtem, e estes compram as permissões. Furtam pelo modo Infinitivo, porque não tem fim o furtar com o fim do governo, e sempre lá deixam raízes, em que se vão continuando os furtos. Estes mesmos modos conjugam por todas as Pessoas, porque a primeira pessoa do Verbo é a sua, as segundas os seus criados e as terceiras, quantas para isso têm indústria e consciência. Furtam juntamente por todos os tempos, porque do Presente (que é o seu tempo) colhem quanto dá de si o triênio, e para incluírem no Presente o Pretérito e Futuro, do Pretérito desenterram crimes, de que vendem os perdões e dívidas esquecidas, de que se pagam inteiramente, e do Futuro empenham as rendas, e antecipam os contratos, com que tudo o caído, e não caído lhe vem cair nas mãos. Finalmente, nos mesmos tempos não lhes escapam os Imperfeitos, Perfeitos, Plusquam Perfeitos, e quaisquer outros, porque furtam, furtaram, furtavam, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse. Em suma que o resumo de toda esta rapante conjugação vem a ser o supino do mesmo Verbo: a furtar para furtar." Pe Antonio Vieira, séc XVII

Imagine o local mais nefasto do mundo. Feche os olhos e pense. Não, meu amigo, este lugar não é o inferno. "O inferno são os outros", já disse Sartre, um João Paulo. A crer-se no incrível relato bíblico, ao inferno se reservam os pecadores. Dante e Virgílio não assistiram jamais a reunião de um departamento, ou o teriam preferido ao inferno. Imagine um local onde todos fingem ser o que não são, falam que fazem o que não entendem, são ao mesmo tempo sábios, cientistas, verdugos, magistrados, réis e acusadores, alternando os papéis como só o mais perverso jogo de interesses seria capaz de criar. Pessoas frustradas, mentirosas, desmotivadas, ladinas, e coisa pior compõem esta ensandecida instituição. É lá, no âmago da universidade, entre o fino discurso intelectualóide, que os interesses se amoldam em ocultamentos e fingimentos, favorecimentos e clientelismos, e medra a falta de vocação. Durante anos, a inércia da vacância preencheu, como resíduos descendo ralo abaixo, os departamentos com o mais fino que o excremento social pode produzir: assim, por pura gravidade, as cadeiras e cátedras se preencheram. "Lave minhas mãos e meus pés, e este cargo será seu". Repousam no cabide à entrada as almas e o pouco caráter, como paletós e vestimentas penduradas, como quê da sujeira resguardada. Em troca de parcos votos que manterão um grupo no poder, encenam a dança - o minueto do fingimento - onde "finjo que te vigio, finges que trabalhas, te cubro de honrarias, fecha os olhos às maracutaias". "Em nome do povo, brado meu discurso". "Ganho pouco para fazer tudo que digo que faço".
Imagina se no departamento corresse muito dinheiro além de salários mixurucas e vantagens chinfrins? Até que píncaros de vilania não chegariam os próceres destrambelhados a imitar o congresso e outras instâncias da máfia nacional e do crime organizado. Corporativismo, mentira, vilania, inveja, nepotismo, orgulho, preguiça, avareza, falsidade, desfaçatez, safadeza moral (luxúria não...), deixam satanás a invejar o criador do departamento universitário. Mas são cientistas (JURO que escuto isso o tempo todo, vindo principalmente de quem nunca sequer publicou um único artigo científico internacional de sua lavra ou que não fosse pelo orientador... sei que isso não é parâmetro, mas serve).


Capítulo III
Mas afinal, prá quê serve isso?
Claro está que as atuais medidas cientométricas não podem ser aplicadas a tal estrutura. Urge a criação de novas e atualizadas ('contextualizadas') ferramentas adequadas a esta realidade paralela. O Qualis é uma abstração, mas em quê se baseia não. O fator de impacto e o índice h (bem, no brasil tudo é possível, como fabricar fator de impacto e índice h) ainda podem ser ferramentas úteis e imprescindíveis para a atribuição do Qualis. Mas, na minha humilde opinião, não reflete a realidade e a verdadeira face das universidades brasileiras (exceções não são contadas aqui). Desta forma, propomos, em substituição ao Qualis, o "Quasis". Em lugar do fator de impacto das publicações, propõe-se o "Fator de Invisibilidade". Este mede se sua publicação é visível em algum lugar além de seu CV Lattes. E em lugar do índice h, propõe-se a implantação do "índíce kHr", que é infelizmente o mais trabalhoso de aplicar pois resulta da reunião do índice L(Lazzy factor, mede o tempo do pesquisador em permancer parado -a inércia casual- até publicar em um periódico fora de sua área de atuação/formação), com o índice πKreτα, que é um reflexo direto da falta de vocação do pesquisador para a área científica, obtido através da análise do seu CV (multiplicando-se sua baixa produtividade pela ausência de orientação pontuada e dividindo-se pela falta de coerência histórica de objetivos).
Para que a utilização destes índices não pareça uma piada, o Centro de Estudos Avançados da Fazenda Tupiniquim (CESAFATUP), irá aplicar um estudo piloto em alguns departamentos universitários alhures escolhidos. Aguardem para breve.

2 comentários:

Eduardo disse...

O grande problema é que a estrutura de fomento vigente exige que um pesquisador 1A do CNPq publique 30 papers a cada triênio. Qualquer pessoa que tenha esta exigência sobre seus ombros rapidamente achará uma fórmula infalível para produzir em massa estes papers. Uma coisa certa é que inovação e impacto jamais poderão compor esta fórmula.

Eduardo Oliveira disse...

Po um novo post!!